Etnodesenvolvimento, mercado e mecanismos de fomento: as possibilidades reais de desenvolvimento sustentado para sociedades indígenas.
Gilberto Azanha (Centro de Trabalho Indigenista – CTI)
Gilberto Azanha situa historicamente em seu texto o surgimento de conceitos como desenvolvimento, desenvolvimento sustentado e etnodesenvolvimento, para discutir os novos modelos de gestão da política indigenista implantados a partir dos anos 90, defendendo uma proposta etnodesenvolvimentista que supõe um redimensionamento do tempo produtivo dos grupos indígenas visando combinar sua produção tradicional com uma produção voltada para o mercado, de forma a garantir-lhes os meios para adquirir os bens da sociedade brasileira que passaram a ser por eles historicamente encarados como “necessidades básicas”, essencialmente situados na categoria de aviamentos. Azanha destaca, dentre outras coisas, que o tempo necessário a esta produção para o mercado não deve comprometer as atividades normais de subsistência nem as próprias às tradições de conhecimento destes grupos, residindo neste balanceamento do tempo uma da chaves da possibilidade de manutenção de sua existência enquanto grupos étnicos diferenciados.
O texto recomenda que se privilegie a produção de bens visando um mercado “alternativo”, que valorize as sociedades indígenas e suas tradições de conhecimento, bem como formas de produção que levem em conta a preservação ambiental, aspecto também contemplado pelas atividades de ecoturismo, outra das opções sugeridas pelo autor para a obtenção de recursos financeiros. Todas estas atividades encontrariam apoio financeiro nos mecanismos de fomento ligados a novos modelos de gestão da política indigenista, apoiados na articulação entre organismos de cooperação internacional, privados e públicos, governo brasileiro e ONG’s. O texto faz ainda sugestões quanto ao formato de funcionamento do PDPI – Projetos Demonstrativos dos Povos Indígenas, uma das peças que compõem este novo modelo de gestão em esboço, anteriormente referido, defendendo que ele contemple um universo fechado de projetos, limitado ao conjunto das terras indígenas da Amazônia e da Mata Atlântica, de forma a atender a todos os interessados dentro de um prazo finito de tempo.
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Isabelle Giannini
Isabelle Giannini descreve sua experiência de acompanhamento como antropóloga do projeto de manejo ambiental da Terra Xikrin do Cateté, situada na área de influência da Ferrovia Ferro Carajás, desenvolvido junto aos índios Kayapó do Pará, a partir de um convênio firmado entre a FUNAI e a Companhia Vale do Rio Doce, do qual viria a participar por meio da inserção do Instituto Socioambiental – ISA. A este convênio vieram se juntar posteriormente fundos internacionais provenientes de empresas instaladas na área do projeto Grande Carajás, de organizações de cooperação bilateral e de acordos firmados no âmbito do PPG7. O texto discute a necessidade de encontrar-se uma dinâmica diferenciada de captação de recursos financeiros de forma a garantir a autonomia dos índios em relação à política oficial de proteção e assistencialismo. São descritos os mecanismos de negociação que se instauraram com a comunidade Xikrin para estabelecer as novas atividades produtivas que substituíram os modelos predatórios anteriores e o conjunto de ações voltadas para a formação e a capacitação da comunidade no sentido de possibilitar-lhes respectivamente um conhecimento maior sobre a sociedade brasileira e a aquisição de habilidades práticas e técnicas para o desempenho de funções nas áreas de administração de projetos e de manejo florestal.
Giannini detém-se no exame das possibilidades de atuação dos antropólogos em processos de desenvolvimento e mudança social, defendendo a idéia de que a antropologia do desenvolvimento é, antes de mais nada, de seu ponto de vista, uma antropologia do sincretismo, que trata da interação complexa de elementos heterogêneos, divergentes, desiguais e contraditórios, em cuja análise intervêm fenômenos de confrontação, negociação, rejeição, acomodação, subversão, relações de poder, compromissos e transações.
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Jorge Marubo (Conselho Indígena do Javari – CIVAJA)
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José Porfírio Carvalho (Projeto Waimiri – Atroari / Eletronorte)
José Porfírio de Carvalho faz um balanço do ProjetoWaimiri-Atroari, implantado em 1988 como resultado de um convênio firmado entre a Eletronorte e a FUNAI, por ocasião da construção da usina hidrelétrica de Balbina. O projeto nos é apresentado como uma experiência bem sucedida de manutenção de identidade étnica após uma situação dramática de contato com a sociedade brasileira, destacando-se o fato de que a comunidade Waimiri-Atroari é capaz hoje de combinar a manutenção dos processos reprodutivos de sua cultura com uma baixa demanda de produtos manufaturados externos, para cuja aquisição é necessária uma parte pouco expressiva de seu excedente produtivo.
Afora isso, o texto descreve outras formas de obtenção de recursos financeiros pelo grupo, tais como os provenientes dos acordos firmados com a Eletronorte, da taxação cobrada pela circulação de cassiterita em seu território e da venda de produtos indígenas. Estes recursos têm sido usado na implantação de escolas com um currículo voltado especialmente para a realidade do grupo, na capacitação de seus indivíduos para o gerenciamento e controle das atividades comerciais que desenvolvem e na fiscalização dos limites de seu território. O texto contrasta a experiência Waimiri-Atroari com a dos índios Parakanã, entre os quais têm sido mais difícil restringir a dependência de bens manufaturados externos.
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José Osair Sales (ASKARJ)
José Osair Sales (Sian) apresenta questões ligadas à área de atuação da Associação dos Seringueiros Kaxinauá do Rio Jordão – ASKARJ, localizada no Acre, estado onde vivem atualmente cerca de 12 etnias indígenas. Situa a criação da organização, em 1988, no contexto das necessidades de encaminhar as demandas indígenas em um estado marcado por um encontro complexo de sociedades, em que setores ligados à Igreja, a partidos políticos e a organizações não governamentais, nem sempre conseguiram chegar a um acordo sobre como lidar com os problemas indígenas. Defende a existência de um sistema de representação dos índios que trate diretamente com o governo, sem necessidade de mediadores, alertando, entretanto, para o perigo de criação de um número excessivo de organizações, o que poderia enfraquecer o movimento. Considera necessário ultrapassar as divisões atuais, tanto entre os índios como entre seus aliados, na busca de um caminho comum a todos, apontando também para a importância de criar associações fortes e bem assessoradas, dada a complexidade da gestão administrativa e jurídica das mesmas.
Denuncia a assimetria presente nas situações de diálogo entre índios e brancos, tanto do ponto de vista político quanto do ponto de vista cientifico. No primeiro caso, apesar de julgar ainda tímida a presença de índios no Seminário, elogia a consciência de seus organizadores quanto à necessidade de convocá-los. No segundo caso, reprova a atitude de cientistas e antropólogos que utilizam as sociedades e culturas indígenas como objeto de estudo sem oferecer-lhes qualquer contrapartida, pleiteando o direito de acesso dos índios aos saberes dos brancos.
Quanto às possibilidades de projetos de desenvolvimento entre os índios do Acre, menciona entre suas atividades econômicas o extrativismo da borracha, a agricultura, a criação de animais e a produção de artesanato, explicando a necessidade de garantir mercados para a produção indígena como condição para que ele possa se firmar. Apóia ainda a proposta de criação de um fundo indígena ao qual as comunidades indígenas interessadas tenham acesso.
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Mairawê Kaiabi (ATIX)
Mairawê Kaiabi representa uma associação criada há três anos, representando 14 etnias do Parque Indígena do Xingu ¾ a Associação Terra Indígena do Xingu – ATIX. Afirma que o principal trabalho da associação entre os índios tem sido esclarecer os mecanismos de funcionamento da sociedade branca, destacando, no trabalho realizado fora das aldeias, o estabelecimento de convênios com o governo do Mato Grosso nas áreas de saúde e educação.
Condena a substituição das culturas tradicionais indígenas do Mato Grosso, como a do amendoim e a do milho, pela agricultura do arroz, da soja e pela criação extensiva de gado, comentando ainda a necessidade de esclarecer as comunidades indígenas sobre atividades que lhes são apresentadas como lucrativas, como a criação de gado, a extração da madeira e certos tipos de agricultura, sem que lhes sejam explicados os danos ambientais que podem causar.
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Miguel Pena (Associação dos Trabalhadores Indígenas – ATIDI)
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Ricardo Verdum
Ricardo Verdum, descreve os mecanismos de financiamento e gestão de pequenos projetos de desenvolvimento sustentável para as áreas de floresta tropical na Amazônia e nas regiões de Mata Atlântica, definidos nos anos 90 a partir dos acordos firmados entre o governo brasileiro, o G7 e a Comunidade Européia, com o apoio do Banco Mundial. Estes acordos resultaram na constituição do Programa Piloto para a Conservação das Florestas Tropicais do Brasil – PPG7, a partir do qual foram criados o Subprograma Projetos Demonstrativos – PD/A, em 1995, e o Projeto Demonstrativo dos Povos Indígenas – PDPI, em 1999. Contendo uma listagem que identifica os projetos aprovados até novembro de 2000 no âmbito do PD/A, o artigo chama atenção para o fato de que estas iniciativas corresponderam à passagem de um modelo de gestão da questão indígena centralizado na FUNAI para uma situação em que vários órgãos governamentais participam da implementação das políticas públicas nesta área ao lado de ONGs indígenas e indigenistas, tornadas proponentes e gestoras de atividades locais em setores como educação, saúde, proteção ambiental e desenvolvimento de atividades produtivas.
Segundo o autor, este modelo implicou na ampliação da utilização do conceito de etnodesenvolvimento para além do circuito das lideranças indígenas, ONGs e setores da intelectualidade, ganhando destaque na agenda das agências governamentais e internacionais de cooperação por meio da incorporação de categorias discursivas como participação, típicas da atual modernização das práticas indigenistas oficiais, que se apresentam como impulsionadoras da capacidade dos povos indígenas de gerirem autonomamente seu desenvolvimento de acordo com seus valores e aspirações. Embora pretenda apoiar “estratégias de desenvolvimento estabelecidas a partir da visão dos povos indígenas sobre sua história, seus valores, seus interesses e seus objetivos de futuro”, estabelece como meta “preparar os povos indígenas para atuar no sistema de relações do mercado globalizadas”, o que por si só aponta para os limites da proposta em questão.