Nova regulação jurídica das relações entre Sociedades Indígenas, Estado e Sociedade Nacional.
Aurelio Veiga Rios
Aurélio Veiga Rios detém-se especificamente na problemática legal das terras indígenas, iniciando seu artigo com um breve histórico da legislação referente a elas desde a Colônia. Ressalta que a Constituição de 1988 considerou as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios como bens da União destinados à sua posse permanente, com usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes. Além disso, definiu a expressão “terras tradicionalmente ocupadas” ¾ motivo de muitas controvérsias até então ¾ como aquelas habitadas, utilizadas e imprescindíveis à preservação dos recursos necessários ao bem estar e reprodução física e cultural dos grupos indígenas, incluindo-se aí tanto as formas de viver mais estáveis quanto aquelas dependentes de áreas de perambulação.
Carlos Marés
Carlos Frederico Marés de Souza Filho faz uma exegese da Constituição de 1988 ressaltando tanto as rupturas que ela estabeleceu nas antigas relações entre o Estado, as sociedades indígenas e a sociedade nacional, quanto as armadilhas do texto constitucional decorrentes da falta de regulamentação dos novos direitos. Aponta como as duas grandes novidades instituídas em 1988 a possibilidade do reconhecimento dos direitos coletivos em contraposição aos direitos individuais, e o rompimento com o princípio da integração, que havia regido a política indigenista desde os tempos coloniais. Estas rupturas notáveis, que reconheceram o direito dos indígenas contiuarem a ser índios, ainda não foram incorporadas, contudo, às práticas do Estado, que vêm mantendo uma defasagem acentuada em relação às novas normas, configurando-se uma situação em que Estado tem sido muitas vezes o principal trangressor das leis.
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Clóvis Ambrósio
Clovis Ambrósio aborda diversas questões ligadas à área de atuação do Conselho Indigenista de Roraima – CIR, organização que representa cinco povos indígenas naquele estado. Destaca a decepção dos índios diante das dificuldades de fazer cumprir as leis, especialmente no que diz respeito à demarcação de terras, detendo-se no relato dos problemas enfrentados na área de Raposa/Serra do Sol, que abriga cerca de 12.000 índios de quatro etnias diferentes. Lamenta e denuncia o fato de que, muitas vezes, o próprio governo e o Congresso Nacional são os primeiros a descumprir as leis.
No setor de educação, comenta as dificuldades de implementar a alfabetização bilíngüe pela ausência de material didático adequado, e menciona os esforços desenvolvidos em Roraima para manter em dia uma educação voltada para o fortalecimento dos elementos próprios às culturas indígenas. Na área de desenvolvimento destaca o projeto do gado, responsável pela presença de 18.000 cabeças de propriedade das comunidades indígenas no estado, esclarecendo que, por se alimentarem de um capinzal natural, não constituem ameaça para a flora local.
No plano das organizações indígenas, afirma a necessidade de traçar uma linha de trabalho comum para os índios, apesar da grande diversidade de povos e situações, lamentando, no caso de Roraima, a influência negativa da política partidária, que busca desvalorizar o papel de organizações como o CIR.
Na área de saúde, faz um histórico da questão desde a realização da Conferência de Saúde Indígena, em 1993, que decidiu a criação de um órgão diretamente ligado ao Ministério da Saúde para assumir a responsabilidade pela saúde da população indígena, uma vez que a FUNAI não contava com pessoal suficiente para tal. Comenta que, de lá para cá, a situação de dupla responsabilidade pela saúde indígena causou muita confusão, e mostrou que a Fundação Nacional de Saúde – FNS também não dispõe de quadros suficientes para atender adequadamente aos índios. No caso das aldeias, considera que a melhor saída está na formação de agentes de saúde entre os próprios índios, já que a experiência demonstrou que as pessoas de fora não conseguem se adaptar às condições de vida na floresta. Demonstra apreensão particular com a deterioração das condições de saúde entre os Yanomami do estado de Roraima, e manifesta dúvidas sobre as possibilidades de funcionamento do modelo dos distritos sanitários junto a este grupo em que raríssimos indivíduos dominam o idioma português.
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Daniel Kabixi (ADR Tangará da Serra – FUNAI/MT)
Daniel Kabixi expõe as dificuldades de compreensão das leis nacionais por parte dos povos indígenas, detendo-se na descrição da situação verificada a este respeito entre os Paresi e demais grupos que habitam a chapada dos Paresi. Descreve a carência de recursos naturais e a pobreza dos solos desta região de cerrado, que faz com que os 1.200.000 ha de terras relativos a um universo de 1.200 indígenas não sejam condição suficiente para assegurar aos grupos da região a superação da miséria em que vivem. Neste contexto, explica que as leis nacionais, impedindo o arrendamento de terras indígenas e a formação de parcerias agrícolas pelos índios, soam extremamente injustas aos indígenas, sobretudo num quadro em que o modelo de grandes monoculturas agrícolas implementado com o uso de tecnologia sofisticada, como tratores, insumos, herbicidas e inseticidas, parece-lhes a melhor saída para superar a situação em que vivem e, por isto, digno de ser copiado.
Kabixi destaca o abismo entre a legislação e a situação concreta vivida pelos índios, ressaltando a ausência de recursos pedagógicos que lhes permitam alcançar uma compreensão adequada do quadro legal brasileiro, sobretudo nas áreas que os afetam diretamente. Comenta que a situação é particularmente grave no caso das leis de proteção ambiental, que não terão ressonância junto aos povos indígenas se não forem acompanhadas de mecanismos capazes de traduzir seu significado junto a eles.
Finalmente, questiona a relação das sociedades indígenas com ONGs ambientalistas, indigenistas e com o indigenismo missionário como um todo, chamando atenção para o fato de que muitas vezes estes atores parecem querer tomar as rédeas do movimento indígena, falando pelos índios e impondo seus princípios a eles. Neste sentido, alerta para o risco de surgimento de um novo tipo de colonialismo se sobrepondo à colonização oficial representada pela FUNAI.
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Deborah Duprat (Procuradora Regional da República)
Deborah Duprat analisa os pressupostos filosóficos e antropológicos que embasam a perspectiva pluriétnica da Constituição de 1988, descrevendo as alterações nos paradigmas do conhecimento científico postulados pela modernidade que lhes deram origem. Entre estas, destaca o abandono do positivismo jurídico que acompanhou o fim da cumplicidade do Direito com as ciências naturais e aponta as novas concepções sobre alteridade que tornaram obsoleta a visão do Estado-nação orientado por uma lógica legiscentrista. Comenta que o Direito apropriou-se das denúncias no campo filosófico quanto à colonização da diferença pelo sempre igual e pelo homogêneo em favor do fragmento contra a totalização e do descontínuo e do múltiplo contra as grandes narrativas e sínteses.
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Marco Antonio Potiguara (Prefeito da Baía de Traição – PB)
Marco Antonio Potiguara defende a participação dos índios na política nacional e a importância de construir alianças com os brancos comprometidos com a defesa dos direitos indígenas. Destaca o papel que o Ministério Público vem desempenhando neste sentido, particularmente no que diz respeito à questão da demarcação de terras. No caso específico dos Potiguara, relata os problemas decorrentes da pequena extensão da área demarcada para o grupo e de sua desintrusão ainda não concluída.
Comenta ainda as dificuldades para o cumprimento das leis ambientais por parte dos índios, o que tem levado a negociações com o IBAMA para permitir o uso de áreas protegidas que constituem a única alternativa de sobrevivência para populações que não recebem qualquer apoio governamental para o desenvolvimento de atividades produtivas sustentáveis.
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Marcos Terena (Comitê Intertribal – ITC)
Marcos Terena, coordenador à época do setor de direitos indígenas da FUNAI, situa o início da organização do movimento indígena no Brasil a partir dos anos 70 e 80, recuperando diversos momentos de sua trajetória até o presente, em muitos dos quais atuou como protagonista. Na busca de relativizar as críticas à FUNAI empreendidas por participantes do Seminário, registra a presença de indigenistas e funcionários seriamente comprometidos com a causa indígena naquele órgão, cujo trabalho considera digno do reconhecimento de todos.
Propõe que os participantes do Seminário elaborem uma carta de princípios com valor legal que possa servir à cobrança posterior de compromissos junto às autoridades, e sugere algumas ações ligadas ao posicionamento dos índios frente às comemorações oficiais dos 500 anos do descobrimento do Brasil no ano 2000.
Analisando a situação de abandono das aldeias por parte das autoridades, afirma, no caso dos Terena, o desejo de serem contemplados com ações que ultrapassem o viés assistencialista em favor de uma capacitação que lhes permita um acesso qualificado aos projetos de desenvolvimento da sociedade envolvente. Destaca, neste sentido, a situação de ausência de cidadania enfrentada hoje pelos grupos indígenas e a necessidade de criar novos mecanismos para a reivindicação de seus direitos, considerando encerrada a etapa em que a pressão indígena se fazia por meio da intimidação direta sobre a pessoa dos presidentes da FUNAI.
Lembrando os avanços internacionais na legislação de proteção aos índios, registra a falta de repercussão dos mesmos no Brasil. Afirma em seguida a importância do resgate da história do movimento indígena no país e o valor de uma organização dos diversos grupos indígenas em frentes de representação amplas, que permitam o estabelecimento de alianças com o maior número possível de setores da sociedade, em que pesem as contradições entre eles.