Subsídios para uma nova política indigenista.
Carola Karsburg (Cooperação Técnica Alemã – GTZ / PPTAL)
Carola Karsburg apresenta a GTZ, órgão de cooperação técnica do governo alemão que atua em projetos indígenas nos países que reconhecem os direitos destes povos, pautando-se nas recomendações ditadas pelas Diretrizes Operacionais do Banco Mundial e pela Convenção 169 da Organização Mundial do Trabalho. Estes princípios destacam os direitos indígenas a seu próprio desenvolvimento e buscam promover sua participação em projetos de desenvolvimento econômico.
Karsburg ressalta que o trabalho conjunto com a FUNAI nos dois projetos em que a GTZ tomou parte no Brasil ¾ um com os Waiãpi e outro, ainda em curso, com o PPTAL ¾ permitiu ao órgão indigenista brasileiro ampliar as parcerias com organizações não-governamentais, especialistas, peritos e antropólogos, dentro de um modelo de gestão que, embora nomeie como ²clássico², tem sido visto como a principal novidade instituída no campo indigenista brasileiro nas duas últimas décadas, firmando-se como alternativa ao modelo tutelar tradicional que concentrava na FUNAI o controle das ações sobre os povos indígenas.
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Daniel Gross (Banco Mundial)
Daniel Gross descreve o funcionamento e os objetivos gerais do Banco Mundial, detendo-se em seguida em sua atuação específica em relação aos povos indígenas, pautada numa Diretriz Operacional que prevê a salvaguarda dos interesses dos povos atingidos pelos projetos financiados pelo banco, o respeito a seus costumes e práticas, e a obrigatoriedade de consultas aos mesmos antes da execução de projetos que possam afetá-los. Explica que esta DO está em vias de ser revista, incorporando as sugestões obtidas a partir de uma consulta realizada em vários países, que prevêem o fortalecimento da participação das comunidades indígenas nos benefícios dos projetos financiados pelo banco e o aperfeiçoamento dos mecanismos de consulta, cuja superficialidade têm sido objeto de inúmeras críticas.
No que tange aos demais temas abordados no Seminário, afirma que a extinção ou não da FUNAI não dever ser tomada como o eixo principal dos debates, como querem alguns. A seu ver, muito mais significativas são as questões ligadas à discussão sobre os objetivos e funções da política indigenista, bem como à avaliação das entidades com melhor vantagem comparativa para desempenhá-las. No caso específico da área de saúde, ressalta a importância de levar em consideração a variável dos custos, citando as vantagens de ações preventivas que minimizem o recurso, por exemplo, ao transporte de doentes em aviões. Sugere que as melhores alternativas do ponto de vista técnico, nesta direção, não podem se separar de soluções que contemplem os conceitos de saúde das diferentes sociedades indígenas.
Em relação ao financiamento de projetos de desenvolvimento em comunidades indígenas, menciona as críticas que vêm sendo feitas aqueles em que o Banco Mundial participa (PRODEAGRO, PLANAFLORO, PDA, PPTAL, entre outros), centradas sobretudo na falta de uma assistência técnica contínua às comunidades indígenas, na ausência de continuidade nos financiamentos e no tratamento parcial da questão do desenvolvimento, que muitas vezes soluciona o lado da produção mas deixa de lado o da comercialização dos produtos. Quanto ao aspecto da disponibilidade de recursos financeiros, afirma a existência de somas consideráveis, cobrando explicações das autoridades presentes sobre a não utilização de recursos liberados há vários anos para as comunidades indígenas na área do Projeto Carajás, através da Companhia Vale do Rio Doce, e para o programa de assentamento dos índios Tuxá, deslocados pela inundação da barragem de Itaparica. Atribui a situação à falta de entrosamento entre as diferentes entidades responsáveis, à não participação das comunidades indígenas, e à manipulação pura e simples. Considera ainda que as dificuldades técnicas decorrentes da diferença de escala entre investimentos de grande vulto e comunidades de pequeno porte podem também obstaculizar a aplicação dos recursos, indicando, neste sentido, a necessidade de capacitar agentes, indígenas ou não, para a gestão dos mesmos.
Finalmente, defende um modelo de gestão da questão indígena não mais exclusivamente calcado no governo federal, posicionando-se em favor de parcerias quer nos planos internacional, estuadual e municipal, quer com o setor privado.
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Janete Capiberibe
Janete Capiberibe apresenta as experiências realizadas junto aos povos indígenas do Amapá a partir de 1989, sob as gestões de João Capiberibe como como governador do estado e prefeito da capital. Enfatizando a cooperação entre políticos, antropólogos, organizações indígenas, agências internacionais e FUNAI na implementação de projetos envolvendo uma população de 7.000 indivíduos de 8 etnias diferentes, a deputada situa estas iniciativas na perspectiva do programa de desenvolvimento sustentável do Amapá, que contemplou, entre outros pontos, a defesa dos interesses de grupos sociais minoritários. São descritos projetos envolvendo as organizações indígenas APIO, APINA e IAPITU, nos quais foram estabelecidas parcerias entre o governo estadual, a GTZ e a FUNAI para atuar nas áreas de educação, saúde, saneamento básico e cultura. Mencionando a destinação de cerca de 1,5% do orçamento total do estado do Amapá em 1998 e 1999 para os povos indígenas, Janete Capiberibe destaca o êxito do processo de administração direta destes recursos pelas associações indígenas e sua utilização em atividades que valorizam os recursos das diversas comunidades, a exemplo do uso de material de construção para a edificação de escolas e da produção da merenda escolar pelos próprios índios.
O apoio à promoção de reuniões periódicas com lideranças indígenas de outras regiões da Amazônia é apontada como outra inovação realizada no estado, assim como a aprovação de legislação estadual reforçando as diretrizes da Constituição de 1988 relativas aos povos indígenas. Destacam-se neste sentido a Constituição estadual do Amapá de 1991 e a lei estadual de acesso à biodiversidade, pioneira no Brasil no que diz respeito à garantia da participação das comunidades indígenas nos resultados da utilização de seus conhecimentos tradicionais e no combate à biopirataria.
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Ruth Cardoso (Programa Comunidade Solidária)
Ruth Cardoso defende a necessidade de reformulação da política indigenista em cima de um modelo que privilegie o conceito de parceria, calcado na colaboração de iniciativas do governo e da sociedade civil, alegando que sua eficácia é maior para tratar de problemas como o dos índios, que requerem estruturas menos burocratizadas do que aquela representada pela máquina estatal tradicional. Considera que este modelo também é positivo por mobilizar recursos da sociedade civil para lidar com problemas que atingem a todos e que, portanto, são de responsabilidade da sociedade como um todo.
Representantes de organizações indígenas presentes no Seminário, entretanto, levantaram a discussão sobre a complexidade da burocracia exigida pelos projetos encaminhados via terceiro setor, chamando atenção para as dificuldades enfrentadas pelos índios para lidar com uma multiplicidade de agências e instituições com procedimentos administrativos e contábeis igualmente variados. Especialistas também têm chamado atenção para o fato de que o modelo de terceirização de determinadas ações do Estado em benefício do setor privado implica na perda do compromisso de continuidade em sua manutenção já que, em muitos dos casos, os recursos disponíveis são provenientes não de acordos intergovernamentais ¾ como no caso daqueles firmados com o Banco Mundial ou com agências bilaterais de desenvolvimento ¾ mas de mobilizações filantrópicas de países do Primeiro Mundo ou de setores empresariais domésticos, cujas contribuições ficam ao sabor das oscilações da boa vontade dos contribuintes.
Cardoso afirma que a flexibilização das estruturas estatais para realizar trabalhos conjuntos com a sociedade civil é uma tendência mundial, ao mesmo tempo em que sustenta, com base em sua experiência como presidente do Programa da Comunidade Solidária, haver ampla disponibilidade de recursos financeiros a serem acessados pela via das parcerias, bastando para isto que se tenham propostas claras sobre os objetivos a serem alcançados pelos projetos encaminhados.
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Sandro Fantini (Assessor de Municípios – Governo do MT)
Sandro Fantini faz um relato dos primeiros 100 dias do governo do PT no Mato Grosso do Sul – estado que detém a segunda maior população indígena do país – ressaltando as dificuldades econômicas e financeiras herdadas das adminstrações anteriores, as medidas tomadas para saná-las e a situação dos povos indígenas neste contexto. Tendo como preocupação de fundo a superação das relações clientelistas entre estados e povos indígenas, Fantini desceve a proposta de reestruturação das mesmas a partir de um modelo calcado no diálogo entre governo, lideranças indígenas, ONGs, CIMI, CDB, universidades e comunidades indígenas. Entre as sugestões obtidas a partir de um seminário reunindo estes diversos atores, destaca as de recuperação ambiental do estado, os programas de produção de médio e longo prazo, a demarcação de terras indígenas e o apoio aos distritos sanitários e à educação bilíngue.
No âmbito das políticas públicas voltadas para os povos indígenas, indica a decisão de criação de instâncias participativas para este segmento na estrutura do governo, incluindo-se entre elas um Conselho de Política Indigenista composto majoritariamente por índios, a estruturação de núcleos indígenas nas diversas secretarias de governo, e o funcionamento regular de um fórum para avaliar as ações de governo e planejar a atuação do ano seguinte. Descreve ainda as medidas tomadas para o engajamento dos índios e de outras comunidades na discussão do Projeto Pantanal, recentemente proposto para o estado A perspectiva de fazer um governo calcado no diálogo com todos os segmentos da população é apresentada como a base da adminstração petista, sendo a realização das assembléias do orçamento participativo em 77 municípios do estado o exemplo utlizado para ilustrá-la na prática.
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Ubiratan Pedrosa (Fundação Nacional de Saúde – FUNASA)
Ubiratan Pedrosa Moreira historia em seu texto as circunstâncias ligadas à transferência da gestão da saúde das populações indígenas do âmbito da FUNAI para o âmbito do Ministério da Saúde. Localiza o início desse processo em 1986, quando, por ocasião da 1ª Conferência Nacional de Saúde dos Povos Indígenas, esboçou-se a idéia de que o conceito de distrito sanitário, ligado à organização geral dos serviços de saúde no país com base em uma definição territorial da clientela, também poderia ser utilizado na assistência às populações indígenas, como distritos sanitários especiais indígenas.
O texto se concentra nas polêmicas desencadeadas a partir de 1998, quando a lei n. 9.648 atribuiu definitivamente a responsabilidade sobre a saúde dos povos indígenas ao Ministério da Saúde, provocando forte reação por parte de algumas comunidades indígenas, que encararam a medida como passo decisivo no processo de esvaziamento da FUNAI decorrente da abortada reestruturação da administração pública federal, meta inicial do governo Fernando Henrique Cardoso. Moreira debate as críticas – provenientes sobretudo de segmentos Xavante e Kayapó -, caracterizando o novo modelo administrativo como resultado de discussões promovidas junto a organizações indígenas, grupos de indigenistas e ONGs, chamando atenção para as vantagens do modelo de distritos sanitários. Este, assentado sobre a implantação de uma rede de serviços de saúde permanente, é apresentado como mais eficiente que o modelo de equipes de saúde volantes, até então em vigor.
Moreira acentua ainda as possibilidades de articulação dos distritos sanitários à rede nacional do Sistema Unificado de Saúde (SUS), a conveniência da adoção da proposta de criação de pólos-base para complementá-los e a necessidade de implantação de sistemas de informação que permitam uma eventual reorientação das ações desenvolvidas. Apesar de registrar a presença de recursos financeiros suficientes para a implantação da nova estrutura, o autor condiciona seu sucesso ao engajamento efetivo das comunidades indígenas no processo, única forma de garantir o controle social do mesmo pelos índios e sua correta implementação.